
Marlene Eggres Torres | Instagram: @marleneeggrestorres
Sou Marlene, gaúcha, casada há 37 anos com Oscar Torres Rodriguez, colombiano. Missionários há quarenta anos no movimento JOCUM – Jovens Com Uma Missão. Temos dois filhos e quatro netos.
De 1987 até 2010, trabalhamos na região norte do Brasil. Nos onze anos seguintes, em Curitiba e, desde 2022, estamos no Rio Grande do Sul, sempre com a JOCUM, que atua na área de evangelismo, misericórdia e treinamento.
Em maio de 2024, fomos surpreendidos. A maior inundação, decorrente de chuvas volumosas, atingiu o Rio Grande do Sul a partir do dia 27 de abril. Quase 95% das cidades foram atingidas.
Na ocasião, morávamos na cidade de Eldorado do Sul, região metropolitana de Porto Alegre, com cerca de 42.000 habitantes. Cidade banhada pelas águas do lago Guaíba, que recebeu o deságue de vários rios, submergindo toda a cidade.
Devido ao horror dos fatos, ainda não me sinto confortável para escrever sobre o que vivi. A impotência diante do gigante fluir das águas devastadoras deixou a todos perplexos.
No final do dia 30 de abril, meu esposo percebendo a gravidade da tempestade que se aproximava, falou enfaticamente: “Pegue o que você quer salvar, porque temos que sair daqui, pois as águas estão subindo rapidamente!” “Como assim?” – pensei. “Quero salvar tudo!” Passamos as mãos no que coube no carro e partimos.
O céu escureceu e caiu uma chuva intensa, com relâmpagos, raios e vento. Saímos da cidade e fomos para a casa de minha mãe, em Gravataí, há 35 km dali, que foi minimamente afetada pelas enchentes e onde atualmente moramos, em casa alugada. Quase toda a população evacuou de Eldorado do Sul, com exceção dos que posteriormente foram salvos por bombeiros, voluntários, barcos, helicópteros, até com tanques e retroescavadeiras. Cenas de terror.
Caso o leitor indague se fomos avisados pelas autoridades competentes de que possivelmente teríamos uma inundação, respondo que sim, fomos comunicados. Caso indague se conseguíamos imaginar a dimensão que a tragédia tomaria, respondo que não, que nem nos nossos mais acurados pensamentos poderíamos imaginar a magnitude da tragédia que estava por vir.
Através dos meios de comunicação, éramos informados sobre a constante elevação das águas e ficamos sabendo que atingiram mais de cinco metros. Os relatos eram os mais tristes e assustadores, desde a existência de mortos e desaparecidos até mesmo de violações de crianças dentro dos abrigos, onde se misturavam debaixo do mesmo teto pessoas de bom e pessoas de mau caráter. Dor sobre dor.
Nossa casa ficou totalmente submersa por 20 dias. Quando as águas baixaram, preparei-me para revê-la. Ao me deparar com ela, chorei! Estava fragilizada diante das perdas, das coleções de memórias destruídas. Com acessórios de proteção, caminhei com dificuldade no meio do lamaçal contaminado que cobria a nossa casa, pois nessas águas haviam morrido pessoas e animais, além de conterem o esgoto normal, que havia transbordado.
Nossa casa havia sido construída com doações já que somos voluntários, assim como todos os missionários do nosso movimento. Era uma casa de madeira que, apesar de danificada pelas águas, resistiu por já ter sofrido duas enchentes. A primeira foi em novembro de 2023 quando a água chegou a 70 cm de altura dentro de casa.
As marcas da tragédia são apavorantes. Pelo menos cento e oitenta e duas pessoas morreram, segundo a Defesa Civil. Ainda vemos casas abandonadas e outras destruídas.
Em relação aos bens materiais que perdemos, estamos os adquirindo novamente através de doações de amigos e também de pessoas que não nos conhecem pessoalmente. Gestos de amor que nos comovem.
Ainda nos faz falta um computador, pois trabalhamos com cursos pré-matrimoniais online. Todo o apoio emocional e material que recebi foi de um valor incalculável, sem o qual nem teria onde morar.
No entanto, a nossa maior força procede de Deus, que tem nos ajudado a recomeçar. Nosso fortalecimento vem de 2 Coríntios 4:18: “Assim, fixamos os nossos olhos não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno”.
Meus olhos estão postos em Deus e não nas circunstâncias e esse é meu combustível diário para recomeçar em todas as áreas afetadas da minha vida.


