
Por: Dr. Bruno Duarte
Psiquiatra da Infância e Adolescência
@drbruno.psiquiatrainfantil
Em dados recentes, observamos que a matemática da adoção “não fecha”. Em 2022, o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento apontou que havia 3.770 crianças e adolescentes aptos para a adoção, enquanto existiam 46.390 pretendentes cadastrados para esse fim. Essa discrepância nos faz refletir: por que há 10 vezes mais candidatos à adoção que crianças e adolescentes habilitados e esta fila não “zera”?
Sabemos que, dentro do processo de adoção, há diversos perfis bastante definidos pelos pretendentes, mas muitas vezes escondem medos internalizados dos candidatos à adoção.
Alguns perfis estão relacionados a essa discrepância, como por exemplo, preferência por faixas etárias menores, sexo da criança e cor da pele. Porém, essas preferências escondem, na maioria das vezes, medos e preocupações mais arraigados que não são tão mencionados. Medos como dificuldade em moldar a personalidade da criança ou adolescente, de ser constrangido pela diferença na aparência física, dentre outros internalizados, que fazem com que a “conta não feche” na matemática da adoção.
Entretanto, quando pensamos nesse medo, desconsideramos alguns fatores. O primeiro deles é: “Por que eu quero adotar?” Quando entendemos que a parentalidade vai além de cumprir papéis sociais, de “consolidar” um relacionamento ou de fechar uma lacuna nas nossas vidas, compreendemos que na verdade a paternidade e maternidade são bençãos de Deus, como está escrito em Salmos: “Os filhos são um presente do Senhor, uma recompensa que Ele dá. Feliz é o que tem uma aljava cheia delas; não será envergonhado quando enfrentar seus inimigos às portas da cidade.” A paternidade e a maternidade envolvem o serviço aos nossos filhos como um serviço a Deus note que aquele que enche sua aljava e cuida dos seus filhos não será envergonhado durante a sua vida.
Surge também a questão: “Mas se eu adotar uma criança maior, isso não será mais difícil?” Precisamos ressaltar que filhos biológicos e adotivos seguem um processo semelhante de desenvolvimento genético e biológico, e, em ambos, não há como prever destinos. Há como ter fé e acreditar que, com ou sem dificuldades do neurodesenvolvimento, nós somos instrumentos de Deus para cuidar do coração dos nossos filhos e sermos canetas nas mãos de Deus para escrever histórias que honrem o Seu nome através de nossos descendentes Na sequência, outra dúvida emerge: “Crianças ou adolescentes maiores não serão mais difíceis de “moldar”? Primeiramente, devemos lembrar que somos canetas, mas a mão que escreve é a do Senhor Deus. Em segundo lugar, a ciência nos demonstra que podemos ser “canetas” eficazes. Segundo os pesquisadores John Bowlby e Mary Ainsworth, o papel do desenvolvimento do apego seguro, a grande base para uma parentalidade eficaz, é a de desenvolver em nossos filhos a percepção de segurança, auxiliar na regulação de emoções, promover a expressão de sentimentos e comunicação, e auxiliar como base para o conhecimento do mundo ao nosso redor. Esses papéis nunca deixarão de ser primordiais na parentalidade, então, adotando um bebê ou um adolescente, a missão primordial é a mesma.
E ainda: “Adotar um filho mais velho fará com que ele me ame como pai?” Em estudos realizados por Morelli e Tronick (1991), na tribo Efe do Zâmbia, foi possível demonstrar que, por mais que crianças e adolescentes tenham figuras múltiplas de apego, inclusive figuras disfuncionais, como as que observamos na história de vida da população infanto-juvenil acolhida, aquele que exerce a função do desenvolvimento do apego de forma adequada é naturalmente escalonado hierarquicamente como a figura mais importante de apego. Então, a resposta é sim, pois com o exercício da parentalidade adequada, seu filho terá a oportunidade de conhecer quem verdadeiramente são “seus pais”.
Por fim, esquecemos que, conforme a carta aos Efésios, Deus nos predestinou a sermos filhos por adoção, apesar de nossos erros, falhas e dificuldades. Se o Pai celestial não faz a diferenciação de quem adota, por que deveríamos fazer?
Mediante toda a análise, concluo, respondendo à seguinte pergunta: “Cuidar de um filho é fácil?” Não, mas não importa se ele é biológico ou adotivo. Entretanto, se compreendermos que somos apenas canetas e que a Mão que escreve histórias é perfeita, entenderemos que, adotando, estamos tendo o privilégio de sermos instrumentos para reescrever cartas para o futuro, e “estas cartas não nos envergonharão quando enfrentarmos os inimigos às portas da cidade”.

