
Rira da Silva | ritajocpitangui@gmail.com
Sou Rita da Silva, missionária há 37 anos, servindo na base de Jocum Pitangui/MG com meu marido e minha família. Durante o ano de 2024, vivemos uma experiência marcante servindo no estado do Rio Grande do Sul. Este é um relato de esperança e solidariedade que emergiram em meio à tragédia, exigindo forças para recomeçar.
Mathias Velho: Uma Catástrofe Sem Precedentes
Após chuvas torrenciais que atingiram o sul do país, surgiu um cenário de destruição que mobilizou todo o Brasil. As ruas pareciam campos de batalha: montes de entulho se acumulavam por todos os lados, com pedaços de mobília, eletrodomésticos e lembranças de vidas marcadas pela tragédia. Nas casas ainda de pé, as paredes marcadas pelo nível da água compunham um retrato de dor. Mas o impacto ia além do material. Olhares perdidos, mãos trêmulas e uma dor coletiva ecoavam em cada rua devastada. Foi nesse cenário que encontramos o lugar da nossa missão: estar ali, levando ajuda material, consolo e esperança.
Vivenciamos isso de perto em Mathias Velho, bairro de Canoas/RS. Chegamos ao final de maio, quando as águas já estavam baixando e era possível acessar o bairro, mesmo ainda sem água e luz. Montamos, então, a Missão RS, um Centro de Apoio em um galpão cedido por um senhor que também desejava ajudar. Localizado em uma área seca do bairro, o galpão se tornou estratégico para receber voluntários, armazenar doações e equipamentos que serviram para ajudar os atingidos.
Mathias Velho, com cerca de 40 mil habitantes, tornou-se completamente refém das águas. De acordo com a Defesa Civil, 478 dos 497 municípios gaúchos enfrentaram cenários como esse e as enchentes afetaram cerca de 2,4 milhões de pessoas. O abalo físico e emocional foi imensurável. Mesmo após semanas e meses, muitos ainda relatavam noites em claro, temendo o retorno das chuvas ou sintomas de pânico ao ouvirem pequenas gotas lá fora.
Dificuldades Enfrentadas
O drama começou com o avanço repentino e inesperado das águas. Muitos moradores buscaram refúgio nos telhados de suas casas por dias, aguardando socorro que priorizava áreas críticas. Após o resgate, uma nova angústia surgia: para onde ir agora? Com as casas submersas, os abrigos estavam lotados e as demandas eram incontáveis. Quando a água finalmente baixou, o retorno trouxe um choque ainda maior: o que antes era um lar agora apenas lama e escombros. Muitos se perguntavam: por onde recomeçar?
A Missão
Ao longo de 73 dias intensos, mais do que retirar entulho e lama, nossa missão era oferecer força para recomeçar. Cerca de 200 voluntários se dedicaram às frentes de limpeza, distribuição de doações, reconstrução e apoio emocional. Idosos, pessoas com familiares deficientes e outras populações vulneráveis foram priorizadas. Ao fim desse período, celebramos 92 casas limpas, 8 em reconstrução, mais de 115 toneladas de doações distribuídas e mais de 700 pessoas alcançadas diretamente.
Testemunhos de Esperança
Jacqueline, uma moradora que teve sua casa e seu recém-inaugurado ateliê de confeitaria invadidos pelas águas, nos disse com lágrimas nos olhos: “Vocês não apenas limparam o local, mas trouxeram ânimo e esperança. Achei que estivesse sozinha e que aquele lugar nunca mais poderia ser chamado de lar, mas, através dessa ação, vocês renovaram algo precioso em mim: a fé.” Histórias como a dela nos motivaram a continuar, mesmo diante de tantas dificuldades.
A Busca por Algo Além
Após quase quatro meses das enchentes, muitas pessoas começaram a restabelecer suas vidas e voltar ao que era antes. Em meio àquela devastação causada pelas águas, veio à tona uma reflexão universal: nossa esperança não pode estar em bens materiais, que podem ser levados pela água em minutos. Onde, então, devemos colocar nossa esperança? De onde tirar forças para recomeçar?
Encontrando Esperança
Nesse período, testemunhamos transformações significativas. Vidas receberam auxílio através de doações, limpeza de sua casa ou até reconstrução, mas também foram ouvidas e apoiadas em seu luto. Conseguimos enxergar além das tragédias e vislumbrar a esperança. Esperança vista nos milagres de provisão, no alívio das dores e na restauração emocional de vidas abaladas. Esperança que trouxe a elas forças para suportarem e vencerem os desafios. Esperança que levou os atingidos pelas enchentes a olhar para a graça de Deus, recomeçar a cada dia e seguir em frente com fé.


