
Dr. Piero Biteli
Médico intensivista do Hospital Beneficente – UNIMAR
A pandemia, iniciada no final de 2019, foi, com certeza, o pior evento natural da era moderna. Cinco milhões de mortes e imensuráveis internações, gerando alta morbidade e pacientes recebendo alta sem recuperar seu rendimento habitual. Pode não ter superado em números outras pandemias prévias, como por exemplo, peste bubônica e varíola, porém foi insuperável em velocidade de progressão, possibilitada pela tecnologia atual com portos e aeroportos muito mais acessíveis e pela própria infectividade do vírus.
Apesar do surgimento de variantes, advindas de mutações do vírus original, as quais tendem a ser menos mortais e menos nocivas, as agências de saúde, aliadas a laboratórios de ponta, trabalham incessantemente em busca da cura. A vacinação, por sua vez, enfrenta paradigmas de difícil resolução desde o medo da agulha até o medo de teorias conspiratórias de mutações genéticas vistas em filmes futuristas, mas o fato é que, em locais onde a vacinação se disseminou mais rapidamente, os resultados foram promissores.
Superar essa doença significa muito além de reduzir os casos, mas de enfrentar o problema de que a sociedade desenvolveu pânico, frustração e repúdio social, como viver sem o abraço, o beijo, o aperto de mão, ou seja, sem o afeto. Está na hora de buscarmos a renovação dos votos religiosos e familiares, levantar a cabeça e buscar a luz da união e do carinho através da abertura da janela de nosso coração.
Dentro dos hospitais, testemunhei várias situações, que, para alguns, soam inexplicáveis. Alguns abandonaram seus entes, não aparecendo nem para recebê-los em casa, na iminência de alta, por puro medo e covardia, que, no momento, superaram a fé e o amor; mas, por outro lado, a maioria das famílias exigia estar ao lado dos seus, mesmo com o risco da contaminação.
Nesse quadro caótico, a fé saiu do conceito religioso apenas e inspirou ações de pessoas que davam suas vidas para o atendimento aos enfermos e para a pesquisa da cura – cidadãos aclamados como nunca eu tinha visto em minha experiência no comando da terapia intensiva.
Não menos importante é ressaltar que a reabilitação é uma etapa crucial, que deve ser realizada em várias esferas: a física, a mental e a teológica. A física, através de exercícios aeróbicos e de expansão da capacidade pulmonar, trazendo mais vitalidade e melhorando a performance diária. A mental, com acompanhamento de grupos de psicologia, a fim de trabalharem os traumas e os medos exacerbados pelo isolamento social e pela falta de afeto. O teológico, com a reabertura dos cultos religiosos trazendo mensagens de paz e harmonia para as famílias afetadas na pandemia. Por isso, nesse aspecto de reabilitação global, enfatizo a necessidade de todos os grupos sociais governamentais ou não se empenharem na criação de centros especializados no tratamento do indivíduo como um todo.
…a fé se manteve presente e está cada vez mais forte.
O que aprendi nesse contexto pandêmico é que as pessoas e o mundo mudaram, todavia a fé, apesar de claudicar em alguns corações por algum momento, se manteve presente e está cada vez mais forte. Também constatei que a ajuda ao próximo não foi uma promessa feita da boca para fora, mas algo efetivo, demonstrado por pessoas que se uniram, doaram, entregaram, dividiram – e tudo num piscar de olhos. Não me esqueço das doações recebidas em meu nome, por estar à frente do tratamento em nossa região, que chegavam dos mais variados grupos de empresários, e até de ofertas de pessoas simples, que enviavam uma toalha, um lençol ou uma simples bandeja de esfirra ou bolo feito em casa. Se não fossem a fé e as atitudes de muitos, com certeza seria pior.Ressurgimos dessa pandemia, apesar de tudo, como pessoas melhores, mais humanas, mais fortes, mais vivas. Basta acreditar.
